quinta-feira, agosto 24, 2006


São como um cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória. Inseguras navegam: barcos ou beijos, as águas estremecem. Desamparadas, inocentes, leves. Tecidas são de luz e são a noite. E mesmo pálidas verdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quem as recolhe, assim, cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras?
As palavras - Eugénio de Andrade

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?... Minhas irmãs são belas, são ditosas... Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas Dos haréns do Sultão. Ou no dorso dos brancos elefantes Embala-se coberta de brilhantes Nas plagas do Hindustão. Basta, Senhor! De teu potente braço Role através dos astros e do espaço Perdão p'ra os crimes meus! Há dois mil anos eu soluço um grito... escuta o brado meu lá no infinito, Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...
In Vozes d'África - Castro Alves

sexta-feira, agosto 11, 2006


"Eu sou como a garça triste"Que mora à beira do rio,"As orvalhadas da noite"Me fazem tremer de frio."Me fazem tremer de frio"Como os juncos da lagoa;"Feliz da araponga errante"Que é livre, que livre voa."Que é livre, que livre voa"Para as bandas do seu ninho,"E nas braúnas à tarde"Canta longe do caminho."Canta longe do caminho."Por onde o vaqueiro trilha,"Se quer descansar as asas"Tem a palmeira, a baunilha."Tem a palmeira, a baunilha,"Tem o brejo, a lavadeira,"Tem as campinas, as flores,"Tem a relva, a trepadeira,"Tem a relva, a trepadeira,"Todas têm os seus amores,"Eu não tenho mãe nem filhos,"Nem irmão, nem lar, nem flores".
In Tragédia no lar - Castro Alves